terça-feira, 21 de abril de 2015

Neste canto finquei meus alicerces, de Jaci Bezerra



Neste canto finquei meus alicerces



Este livro é o livro dos remorsos,
inventário de um tempo hoje disperso:

nele sou luz e cor e me despeço,
sou também treva e sonho e, nele, endosso

a sede de ternura e a minha fome
de ser só o que sou, nele me expurgo:

eu, neste livro, não me evado ou fujo
e aceito a cinza hostil que me consome.

Há muito quis fazer este inventário,
mas me  faltou o ócio da manhã,

além do ócio, o sal, a palha, a lã
e o alfabeto manchado dos diários.

Ao escrevê-lo eu sou pedra e chama,
memória de um tempo conturbado:

nele me oferto inteiro e tatuado
rendido à solidão que me reclama.

Escrevo uma canção para quem ama
e entre extremos se perde e se procura:

a vida que se busca e se tortura,
insônia que me invade e que me inflama.

Aqui contabilizo o dever e o haver,
o momento fraterno e a omissão:

aqui, serenamente, o coração
deixa o que fui e sou acontecer.



Nenhum comentário:

Postar um comentário

Gostou do poema ou da postagem? Deixe aqui sua opinião.

Diga o que achou do blog ou de algum poema. Agradecemos desde já seu contato.

Nome

E-mail *

Mensagem *