quarta-feira, 8 de março de 2017

Aurora, de José Inácio Vieira de Melo

A liberdade do crepúsculo tremula.
Escuto o alarido dos pássaros do Sertão.

Debruço-me no ninho do Cosmo.
Minhas mãos trabalham no vazio.

Minhas mãos trabalham na imensidão.
Longa batalha em busca da beleza.

Da boca dos pássaros, os violões do Sol.
Rezo benditos e grito os nomes da Terra.

Contemplo a mansidão do silêncio que voa.
As minhas sandálias são feitas de aurora.

De meus dedos esplendem labirintos.
Meu caminho é o strip-tease da solidão.



O desafio, de Lêdo Ivo

Foi em algum lugar, foi onde a relva cresce
e o mundo se dispersa e uma fogueira arde.
Foi onde o sol clareia estações desterradas
e um seio nu afronta a vontade da treva.
Onde a sombra ensombrece os dias sepultados
e no verão persiste um cheiro de jasmim
e uma abelha dourada pousa na corola
da majestosa flor que reina no jardim.
Foi onde fervilhava o rumor das charnecas
e as águas de um riacho fulgiam nas pedras
e a manhã respirava a promessa da vida.
Levantou-se da terra uma roxa alvorada
num claro desafio ao sol esbraseado
e à nuvem emudecida que no céu passava.

O relógio..., de Jorge de Lima

Relógio, meu amigo, és a Vida em Segundos...
Consulto-te: um segundo! E quem sabe se agora,
Como eu próprio, a pensar, pensará doutros mundos
Alma que filosofa e investiga e labora?

Há de a morte ceifar somas de moribundos.
O relógio trabalha... E um sorri e outro chora,
Nas cavernas, no mar ou nos antros profundos
Ou no abismo que assombra e que assusta e apavora...

Relógio, meu amigo, és o meu companheiro,
Que aos vencidos, aos réus, aos párias e ao morfético
Tem posturas de algoz e gestos de coveiro...

Relógio, meu amigo, as blasfêmias e a prece,
Tudo encerra o segundo, insólito — sintético:
A volúpia do beijo e a mágoa que enlouquece!



sábado, 22 de outubro de 2016

Sintaxe, de Ozenir Alexandre

A sintaxe da minha poesia
espera por nascer.
Ainda não aprendi
a cortar o excesso
da minha solidão.
A própria timidez das rimas
não foi vencida,
nem esquecida.
Trato de metáforas
sem medo de mentir
em demasia.
Nunca medi um verso,
nunca sustei a palavrão,
nunca me arrependi
de palavra alguma.
Ainda sou uma poeta
poeticamente imperfeita.



(Fonte: Coletânea Alagoana Contos e Poesias, Fundação Cultural Cidade de Maceió, Maceió, ECOS, 1998, p. 35.)

segunda-feira, 25 de janeiro de 2016

Mortos, de Marcondes Costa

Os mortos
nossos mortos
estão sempre dentro de nós
os mortos
nossos mortos
nunca nos deixam a sós



A palavra vira Poesia, de Pedro César da Silva



A palavra
Vaza da alma,
Vaza da boca,
Vaza da gente,
Vira poeira,
Dobra esquina,
Ganha o dia.
Vira estrela,
Rodeia a lua,
Cai da noite,
Faz chorar
Dá brilho ao olhar
E vira poesia
Na vida da gente



(Fonte: http://paixaoacesamarilia.blogspot.com.br/2009/10/palavra-vira-poesia-pedro-cesar-da.html . Data: 24.01.2016.)

Testamento, de Ana Luiza Fireman




Pra ti, preparei um altar dentro de mim:
Um porta-retrato com um riso teu retido pra sempre do lado esquerdo
Um vaso de jasmim e margaridas alegrando o centro
Incensos de mel e canela
Um vidrinho de óleo de flor de laranjeira
Um livro de poemas antigos
Todas as conchas e búzios que catei
As pedrinhas redondas dos rios da minha infância
Pra ti, todos as minhas memórias mais contentes, todas as minhas canções de ninar, meus versos mais românticos
Pra ti, todos os meus lugares, meu campo de girassóis, meu quintal de sol poente, todos os mares que me banham, meu pé florido de flamboyant, meu tapete rosa de flor de jambo
Pra ti, meu esconderijo mais secreto, meu baú de relíquias, meu livro de receitas, minhas preces e minhas canções
Pra ti, todo o meu amor imaturo, despido, primitivo, telúrico, inconsequente, febril, alado e alucinado, totalmente entregue, absolutamente teu, perdidamente teu, e sem direito à devolução.





(Fonte: https://www.facebook.com/P%C3%83O-E-POESIA-227997487329684/?fref=nf . Postagem de 18.08.2015. Consultado em 25.01.2016.)

Uma Imagem em Mil Palavras, de Ciro Oliveira


“O branco sobre a paisagem,
A luz que ilumina todas as vontades,
O frio, o calor e a incerteza sobre a certeza de vencer a dor.
A melodia e seus acordes,
A síntese da vida em uma única estrofe.
A circulação aumenta a densidade,
A batida no peito não nega nossa humildade.

Renascer, transcender, prosseguir,
Um destino, um futuro um caminho construir.
Uma imagem em mil palavras detalhar.
O escriba, sua escrita, minha sina,
Papel em branco e tinta,
Azul… Cor do céu espelho no mar.

Nem tão longe, perto nem distante,
Mas a poucos passos para chegar, vejo a liberdade.
A clareza, realidade à vontade a soberania do querer.
Inverno, Outono, Verão, Primavera.
As estações em seqüência regressiva,
Numérica, matemática, expressiva em nosso ser.

O tempo passa, anda, voa, segue seu propósito,
para não deixar nada parar.
Um turbilhão de razões transbordam em nossas emoções.
Cegando a audição e dando sons a visão.
Notamos a grandeza do universo e o desejamos conhecer,
Vivemos na esperança, lutando em nossa mente para poder
em paz… viver.”





(Fonte: http://conexaoal.com/uma-imagem-em-mil-palavras-por-ciro-oliveira/ . Data: 24.01.2016.)

Libertamento, de Sebastião de Abreu















(Ao Aristheo de Andrade)




Não mais cantos de dor; não mais ternuras,

Nem mais cantos sem fé, cantos terríveis

Cheios de mágoas, cheios de torturas,

Da tristeza dos “Sonhos Impossíveis”!




Tenha a musa a volúpia das Alturas!

Tenha anseios gazis, inexprimíveis!

Cante as alegrias e delícias puras

Em lugar das apóstrofes terríveis;




Da existência os divinos esplendores.

Cante divina! Sonorosa vibre

Este doce florir dos meus amores!




Diga que eu vivo num viver risonho…

Que solte álacre e doudejante, libre

Esse festivo rouxinol do Sonho!


(Do Jornal do Recife)

Gutenberg, edição de 25 de outubro de 1903.


(Fonte: http://www.alagoanidades.com.br/?p=1133 . Data: 24.01.2016.)

segunda-feira, 20 de julho de 2015

Curiosidades da literatura alagoana – Alfredo de Barros Lima Junior e Jorge de Lima

Numa crônica sobre Jorge de Lima, o advogado e poeta alagoano Alfredo de Barros Lima Junior fez um relato acerca da amizade entre os dois poetas, que foram amigos na mocidade e passaram um longo tempo afastados, voltando depois a terem um breve convivência, já que Jorge havia se estabelecido no Rio de Janeiro, e Lima Junior ainda residia em Maceió. Nessa crônica, Lima Junior conta o momento em que percebeu (e se inquietou!) a mudança de rumos da poesia de Jorge, quando este confirma sua adesão à estética modernista. Segue, abaixo, trecho do relato de Lima Junior.

(Do livro Alguns homens do meu tempo: evocaçōes e reminiscências, de Alfredo de Barros Lima Junior, de 1963, p. 74.)

ARDENTE SINFONIA, de Rachel Rocha Omena













ARDENTE SINFONIA


O poema se cala nos momentos onde
te recebo entre minhas entranhas
estendendo meu olhar definido rumo ao infinito
ligando a alma a nossos instantes
entre laços e lágrimas de prazer
Vivendo noites que prometem
fazendo aflorar a glória
de um ardente espetáculo
sem dar vazão a razão
interlúdio entre cenas ousadas
que lambe a pele em chamas
Sons e vozes de um universo em oração
mensagem entre desígnios e sinfonias
verso que chora a
felicidade do coração



A FELICIDADE DE UM SERTANEJO, de Cicero Manoel Cordelista
















A FELICIDADE DE UM SERTANEJO




Meu sertão tava tão seco
Que o chão tava rachado,
De joelhos eu pedia
Para meu Senhor amado,
Chuva pra molhar a terra
Pra eu plantar meu roçado.


Já tinha brocado a terra
Mas a chuva não caía,
Novena pra São José
Com a mulher eu fazia,
Vendo o sol torrando tudo
Eu chorava de agonia.


O pasto tinha morrido
A palma se acabado,
O barreiro aqui de casa
Tinha ha dois dias secado,
A vaca tava caída
E o meu burro enterrado.


Uma tarde eu combinei
Com minha esposa Maria,
De deixar nosso sertão
Na manhã do outro dia
Em busca de terra verde
Onde seca não havia.


Mas quando a manhã raiou
O dia amanheceu nublado,
E a chuva veio do céu
Deixando a gente inundado,
Numa semana o sertão
Ficou verdinho e molhado.


Logo plantei minha roça
Feliz, cheio de energia,
Minha vaca levantou-se
Vendo o pasto que nascia,
E na friagem da noite
Fiz um moleque em Maria.


A seca daqui sumiu-se
Graças a meu Deus amado,
O barreiro está cheio,
O meu roçado plantado,
Em meu cercadinho pasta
Cinco cabeças de gado.


Maria tá com o buchão,
Tá quase chegando o dia,
De nascer o nosso filho
Aqui nessa moradia
Que eu fiz para viver

Com fé e com alegria.

segunda-feira, 13 de julho de 2015

Monólogo da chuva, de Aldemar Paiva



Está chovendo aí ?
E na sua vida ?
E na sua alma ?



Se chovia na noite em que nos vimos
e conversamos pela vez primeira ?
Chovia sim, e a cidade inteira
brilhava sob a chuva que caía...
A chuva, o frio, as luzes e o reflexo
daquela gente tonta no passeio,
tudo aumentava aquele meu receio
na onda de amor que me envolvia !



Se eu tremia na hora em que nos vimos,
num nervosismo incompreensível ?
Tremia sim, mas era irresistível
a força que de ti me aproximava...
E quando caprichosa pelo asfalto
a chuva fez espelhos coloridos
eu disse com ternura aos teus ouvidos
que o teu encanto me enfeitiçava !



Se era verdade o que eu te confessava
de chofre como um grito inesperado ?
Verdade sim, eu nunca tinha amado
e disse o que pensava e o que sentia...
Sorriste e em teus olhos de repente
As meninas felizes me acenaram
refletindo meus olhos que brilharam
numa ventura que eu desconhecia !



Se juntos nós andamos pela noite
quando a chuva passou, sem ter destino ?
Andamos sim, e o teu rosto divino
eu afaguei com minhas mãos grosseiras...
O sol e a chuva nos brindaram sempre
com horas de perenes alegrias
até que terminaram nossos dias
de estima e confiança verdadeiras !



Se eu fiquei triste e só quando tentada
por um capricho ou por alguém talvez,
fugiste dos meus braços certa vez ?
Eu fiquei sim. E por sinal chovia...
E a bendita chuva que te trouxe,
deixara de ser boa e te levara
enquanto nesta angústia me deixara
ilhado de saudade e de ironia...



Se eu te esqueci, agora que a lembrança
te prendeu no passado sem piedade ?
Esqueci sim. E se chega a saudade
já não me encontra com as mãos tão frias...
Teu vulto apagou-se na memória,
és uma sombra e não me fazes mal...
Agora, a chuva sim é um algoz fatal
que evoca a noite que estragou meus dias!




4º Encontro dos Escritores Alagoanos




Organizado pelo Portal dos Escritores Alagoanos e pela Academia Pilarense de Letras, o 4º Encontro dos Escritores Alagoanos será realizado no dia 25 de julho de 2015, em Pilar-AL. Mais informações no site do Portal (http://www.escritoresalagoanos.com.br/).

Noite fria..., de MCarmo Costa

Noite fria...
A chuva cai devagar, latejante.
Me enrosco sob os lençóis
na cama amiga
que abriga
minha alma carente,
lasciva,
meu corpo calado,
molhado.
Solitário.




Rosa antes da palavra rosa, de Geraldino Brasil

Rosa antes da palavra rosa,
antes da palavra flor,
antes da palavra cor,
na tua original pureza,
beleza intocada antes
do primeiro beija-flor
que hauriu teu néctar
em êxtase, rosa antes
do primeiro jardineiro
amante em que começaste
na primeira excitação
do primeiro humano olhar,
esta amorosa emoção
da poesia de amar.


(Do livro Não haverá o anoitecer, de 1991, p. 15.)

quarta-feira, 8 de julho de 2015

RPA no Facebook

Agradeço a todos os que já visitaram e entraram em contato com a administração deste blog, demonstrando não só interesse no tema, mas uma grande vontade de ver a poesia alagoana ser mais divulgada, mais comentada, mais vivida. E informo que a RPA agora tem fanpage, como dizem os mais entendidos em tecnologia. É uma página no Facebook, para quem desejar interagir de forma mais imediata e curtir a RPA. O endereço da fanpage é https://www.facebook.com/revistadepoesiaalagoana . Abraço a todos.

terça-feira, 7 de julho de 2015

Chuva... , de Lis Nogueira










Chuva...



Chuva que cai
E me rasga a alma
Como ácido,
Exigindo de mim a pele,
Lavando as minhas verdades,
Enquanto nasço planta nova,
Desse solo árido. 

Chuva,
Que me desnuda o silêncio,
Confunde os meus caminhos,
Molhando meus pés e passos,
Diante da lama que só eu vejo.

Chuva forte;
Que decide o que será do meu destino,
A dança ou a quietude...
Cai gota a gota
Enquanto penso sobre as pendências em mim.

Chuva que fere o aço,
As culpas e os estilhaços;
Nutre como enxurrada as minhas esperanças,
Desperta os sons da minha essência;
Do banjo ao baixo,
Dos suspiros aos gritos. 

Chuva que me leva a sombra
E desbrava as fronteiras
De medos que não tenho mais;
Nem mesmo do excesso
Que inunda meu cais,
Nem mesmo da correnteza
Que costuma me acorrentar,
Nem mesmo da tempestade
Que demora a passar.

Chuva
Que me serve muito;
Serve até para me provar
Que sou dela,
Sou filha da água que corre,
Que compõe minhas veias,
E dilui meus pecados. 

Chuva...
E esses temporais insanos,
Que existem apenas para me moldar.



Diga o que achou do blog ou de algum poema. Agradecemos desde já seu contato.

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