terça-feira, 19 de maio de 2015

A casa não só lembrança, de Gonzaga Leão










A casa não só lembrança


(Visita à casa onde nasci e morei até os oito anos, 

em Barra do Canhoto, hoje Rocha Cavalcante-AL-12/5/2007).

Aos meus irmãos Iolanda e Wellington 

A casa fechava a rua

à flor da terra pousada

como ave que descansasse

ferida em uma das asas




sujinha e tão maltratada

triste e tão desamparada

que de repente menino

eu corri para abraçá-la:




− o abraço mais comovido

no estranho e sofrido abraço.




Então me chegam lembranças

as mais vividas e amadas:




− café coado no bule

leite de cabra o mais puro

cuscuz de milho ralado

passos suaves no escuro

(pois ainda é madrugada)

e uma carícia tão leve

mais sentida que lembrada.




E o amanhecer cheirando

a doces cajus maduros

mangas-rosa e goiabas.




E o alvoroço das galinhas

de namoro com os galos.




Movimentos na cocheira

alguém selando um cavalo

um cavalo que era branco

que se chamava Asa Branca

só não lembro se voava

ou se ele nasceu de um sonho

ou se foi de alguma fábula




mas sei que ele relinchava

e que levantava as patas

quando o dono o esporeava.

E que havia um menino

menino que imaginava

ser o príncipe encantado

que esse cavalo montava.




E na casa amanhecida

que boceja pelos quartos

se espreguiça pela sala

mexe em panelas e pratos

e que ri com os meninos




eu ouço uma voz ralhando




a mesma voz que contava

encantadoras histórias




histórias da carochinha

aos seus três filhos que ouviam

maravilhados sentados

numa janela da casa.




Depois de um breve silêncio

ninguém passando na estrada

só longe o apito de um trem

somente o apito. Mais nada.




E aí fui rever o rio

pois o rio me chamava.

Não sei se o rio que vi

é o mesmo rio que guardo

rio que é mais nas enchentes

que é quando o rio extravasa

porque é manso e um pouco estreito

e em alguns lugares raso.




Mas se era dia de sol

meu rio reverberava

como se de lantejoulas

lantejoulas prateadas.




E era bom ver seus lajedos

de lavadeiras florados

e os mulungus e ingazeiras

sombreando suas margens.




Ver meu rio de águas claras

com um menino nadando

entre peixinhos dourados.




Chego ao final da visita

bem muito mais visitado.

E ao partir não sei por quê

senti que alguém me chamava




− vi então duas crianças

que alegremente brincavam

e ouvi chorando um menino

não sei se dentro de mim

ou se era dentro da casa.



(Fonte: http://www.imprensaoficial.al/repository/files/tijolo-sobre-tijolo-palavra-sobre-palavra.pdf .)

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