Ai, eu não poderia ser um ex-poeta
Companheiro, não sou feliz. Entenda,
carrego o tempo em
mim. Cada vez mais
deixei de ser
sozinho eu mesmo como era.
As pessoas por
fora não as vejo, só me lembrar
do seu sorriso.
Agora nelas sei do velho tempo,
a natureza
silenciosa, sua enorme carga de dor.
Ai meu sofrimento
passageiro então,
simples dor de
cabeça se jogava no colégio futebol.
Sentir a dor
alheia? Eu tinha muito de frade,
vivia a minha
vida.
Mas o tempo
passou, sou outro. Não que tenha
ficado um santo
bom. Até dirão que censurável,
os sólidos.
Porque não penso mais,
como eles, no meu
único amor. Outra
a noção de
justiça. Agora me pergunto:
— e
aquelas a quem sinceramente amar?
É justo não
dizer com o olhar a cada uma
que outro marido
merecia?
Veja então
quanto mudei!
Cresci! Já pensava que a grandeza
do coração era
abrigar um só amor. Fui pequeno.
Aí está,
companheiro, companheiro, me desnudo.
O homem é como
está. Faz uma hora,
quem saberá como
será daqui a meia?
O homem não é
como uma pedra, que aqui e em Tóquio,
no seio da terra
ou ao sol, é uma pedra.
Por exemplo:
pensava no futuro
(que me cansou) de
uma criança que sofria e que me fez chorar.
Em lágrimas me
levantei, tomei meu vinho,
fui à janela e
olhei para a estrela sozinha
− encontro dos
olhares dos amantes separados –
que lindo! e me
esqueci da pobre criança.
E a mulher? A
mulher está acima da minha imaginação.
Há quem só saiba
imaginar uma mulher no perfumado leito.
Ou na areia da
praia, ao luar. Ou mais novo ainda
no celeiro das
palhas do estábulo.
Mas eu, que sou
sensível poeta lírico, penso também
na mulher que
beijada pelo homem feio
− e digo os seus
dois verbos femininos –
um homem que não
o que ela adora mas o que odeia,
aquele de cara
fechada que nem o amor sorri por ele.
Como você vê,
não sou o homem que reduz o mundo
ao seu fim de
semana e migalhas de pão
joga aos inocentes
peixinhos do lago do parque.
Não alcancei ser
um poeta épico
que já exaltou o
mundo passado dos seus heróis
e em repouso
poderá gozar a glória de ex-poeta.
Amo! e dessas
fraquezas humanas não sabe um épico.
Não sabe o que é
acreditar
nos vencidos sem
domínio do amor
que muita vez
seremos os vencedores
sem história,
como o povo da canção que não morre
as suas fomes,
infinito.
Porque eu creio em
tudo. O meu verbo crer
é o meu verbo de
duvidar. É a minha maneira
de acreditar. Se
uma pessoa pede:
“Deus me
levasse”, creio
(porque depois no
consultório médico
vejo-a dizendo que
perdeu seu apetite).
Creio no homem do
cachorro, que ele gosta
dos outros, de
receber suas visitas.
Creio no homem de
esquerda que viaja
a passeio no avião
do presidente capitalista. Creio
no hippie
que se habilita à herança do pai burguês
que era um porco.
Creio no olhar do general
que reza na
catedral do domingo. Sou homem de crer.
Ninguém conte
comigo para desconfiar.
Porque não
desconfio dos outros que não conheço.
Não desconfio do
engenheiro que há cem anos fez a ponte
por que atravesso
o pedregoso rio.
Ai, não queria
deixar de ser como estou,
carregador da
minha esperança que se cansou de esperar!
E vou com os
braços pra cima
tal quem leva um
fardo de ar.
E pensam que
fiquei doido:
− “Carrego
minha esperança que se cansou de esperar!”
Deus nosso, cada
vez a esperança fica mais cansada,
cada vez preciso
de mais força para a carregar.
Às vezes estou
desesperado e saio a procurar
algum amigo do
deus mais poderoso
da crença da sua
fé e peço pelo meu amor
porque o meu deus
não me ouviu e não pôde fazer nada.
Uma vez me esgotei
e fui dormir para sonhar.
Voltei do sono
mais cansado ainda
de ver os reinos
das bem–aventuranças
na busca
desesperada ainda sem Deus,
pois tinham lido
errado, porque “só os
puros de coração
verão a Deus”,
poucos, está
escrito no Sermão.
Quando voltei do
sonho, que alívio!
Alívio digo
comparando ao não descanso nunca
dos impuros de
coração nos reinos
dos
bem-aventurados. Seus fantasmas não dormem.
Quem diz, diante
do que morreu:
“descansou,
entregou sua alma a Deus”,
que ilusão, mas
que ilusão!
Basta dizer que
para um refrigério
há os que descem
para cá, quase todos, a humana lida
é o nosso repouso
até de novo a morte enganadora.
Como hei de
terminar este poema?
Este poema que
quer continuar falando danado?
Meus mestres sabem
e não me ensinam;
não que não
queiram, é que não podem
dizer ao outro o
que é somente dele ou dela.
De modo,
companheiro, porque não sei,
este poema não
termina, ficará
como alguém que
interrompeu uma conversa.
Digamos que morri
ou que chegou a sua sogra
(a sua, porque a
minha é uma segunda mãe, creia).
Nem posso me
queixar. Veja que Deus,
insatisfeito no
ato da criação
− imagine, Deus!
–
Deus criou no
mesmo dia a Lei da Evolução!
Isto é um poema
lírico, companheiro,
e um poema lírico
é um hoje, folha do tempo.
Compôs a árvore
e já não a adorna,
já é folha que
caiu, ao anoitecer.
Ele há de esperar
a noite azulada
e do seu outono
fértil renascer em outra folha nova,
amanhã, espero:
até amanhã, companheiro.
(Do livro Não
haverá o anoitecer, de 1991, p. 83-87.)
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