sexta-feira, 8 de maio de 2015

Cinco sonetos para um passarinho, de Christiano Nunes Fernandes

Cinco sonetos para um passarinho


I

SEM desvelo nenhum pelo ecológico
- antes pensando tudo por amor -
o pássaro deixou-se, por  ilógico,
aprisionar-se todo, até a cor

dourada da plumagem, mais o verde
dos seus olhos e mais o que ele era:
pássaro alado de desejo e sede.

Depois, acomodado na gaiola,
imaginou-se cravos e viola
e pôs-se a fiar o tempo em seus teares...

Até que em certa tarde morna viu-se
pairando além, e livre pressentiu-se
se reofertando à festa dos pomares.


II

O MAR, o mar  imenso  era um brinquedo
e o céu distante era um azul deserto.
Seus olhos eram como longos dedos
trazendo as longitudes para perto

das ânsias de suas asas que, em segredo,
o vôo  libertavam para um certo
espaço já perdido e desde cedo
roubado de seus sonhos mal despertos.

Cativo, agora, o pássaro modula
uma canção plangente que se ondula
nas harpas da manhã e, então, se evola

em árias e sonatas e se perde
pelo deserto azul e pelo verde
mar, alheios ao pássaro e à gaiola.


III

POSTO que do mar não seja
e seja ave de pomar
pelo mar sempre ela adeja
ela é louca pelo mar.

Pelas naves da manhã
ela faz sua viagem
enquanto a ardente romã
do sol  lhe doura a plumagem.

Viaja mesmo na areia...
E quando faz maré cheia,
há ventos fortes, marola,

ela que é ave campestre
com destino terrestre
sonha com o mar na gaiola.


IV

DE DOURADO fez-se azul
naquela manhã, o pássaro.
Ou foram ventos do sul
que de repente perpassam

pelas paisagens que habita,
ou foi uma certa aragem
que em certas horas transita
e muda a cor da plumagem.

E em frio azul transmudado
pôs azul no seu trinado
e o mundo inteiro azulesce...

revestindo a corda  dourada
nos clarins da madrugada.


V

SENTIR  meus dedos entre as suas penas,
tatear meus olhos pelos seus segredos
é esse o jogo a que me entrego, apenas
o pássaro diviso em seus degredos

aéreos, no altiplano de concreto,
em cujo frio chão nada germina
além de sombras e seu vulto incerto
que se divisa de uma esquiva esquina.

Onde no chão os grirassóis florescem.
Nos braços da manhã ele amanhece
adeja leve e nada lhe sofreia

o vôo dourado em direção do mar.
E redivivo deixa-se pousar,
se entrega ao sol e se desfaz na areia.


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