Nesta calçada
piso
nesta
calçada
em
que outrora tantos outros trafegaram
os
que ainda respiram, os que já se foram
os
que neste momento agonizam e se encolhem
no
estreito espaço que separa a vida e a morte
piso
sobre
as marcas indeléveis e invisíveis
das
passadas de humanos que ignoro
e
no entanto, como eu, aqui passaram;
das
passadas de um menino que já fui
há
quinze anos correndo sobre esta mesma calçada:
os
passos lépidos, os pés diminutos, sorriso nas faces
sem
marcas de dissabores, madureza, sofrimentos
e
um sol morno em meus olhos , em meu dorso
piso
nesta
calçada
e
com a sola gasta dos sapatos
nela
escrevo uma palavra: VIDA,
como
poderia ter escrito SANGUE
FÊMEA BLUSA
ÂMBAR
ou até meso KXPTY,
fosse
eu abstrato e concretista,
mas
VIDA é o que, por ora, bate fundo nas retinas
como
botas militares marchando por sobre o asfalto
por
sobre a calçada
piso
piso
e me arguo
de
nós dois qual aquele que mudou:
se
o poeta? se a calçada?
e
uma brisa discreta que eriça meus pelos
e
refresca meu corpo
sussurra-me
— como Heráclito —
que
não se adentra, que não se caminha duas vezes
o
mesmo rio, pela mesma calçada
piso
como
se fosse o último sobrevivente de minha espécie
passeando
sobre a calçada única do Universo
e
entanto sei-me igual a tantos outros:
duas
pernas, muitos passos, um caminho
e
sei — talvez bem mais que os outros —
ser
esta calçada em que minha sombra se projeta
nada
mais que discreta notícia, infindo rol
de
incontáveis viventes que por aqui passaram
piso
por
isto piso assim
nesta
calçada:
tão
senhor dela
e
de mim.
(Do
livro Nesta
Calçada,
de 1995, p. 46-47.)
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