terça-feira, 5 de maio de 2015

A Incrível Prisão de Rui de Castro, de José Paulo da Silva Ferreira














A Incrível Prisão de Rui de Castro


Numa cidade pequena,
as moscas estão muito próximas das pessoas.
Rui não está embriagado no bar central,
com os olhos de molho no copo seco,
molhado de espuma seca,
ouvindo músicas ao violão deserdado de Etênio,
o ex-hippie, porque Rui está em casa
com os olhos molhados, enfiados num livro sem fim.
E, se acaba, botam-lhe outro entre as mãos e o cérebro,
um pouco ante os olhos molhados
de alguma coisa feito solidão.

Rui não está na calçada da igreja local,
ouvindo as taras da juventude local,
entre umas pernas e outras das moças passando
após as conversas com o padre,
morrendo de medo das moças fantasiadas
morrendo donzelo, culpado,
enviando-se na alta calçada de cimento
querendo sumir por baixo da porta.

Rui não está lá, nem na porta da farmácia,
onde velhos e novos fazendeiros contam os bezerros
vacinados ontem por medo da febre aftosa
e vomitaria nas botas novas dos senhores proprietários
porque Rui de Castro está em casa,
sem peito para nada, sem jeito para nada.

Rui de Castro não passeia pelas ruas pequenas,
malfeitas, porém belas,
por simples horror dos cumprimentos efusivos
ou não efusivos.
Basta apenas um alô para desconcertá-lo
e pô-lo em fuga dolorida, a alma exposta pelo avesso;
assim, ultra-sensível ao vento dos lábios
de quem quer que seja mais.
Ele era um rapaz da cultura ou contracultura;
aprendeu inglês ouvindo os Beatles mas,
eu não sei quando nem como,
alguma coisa de humano se perdeu e mora, cara,
numa cidade tão mínima cabendo toda neste poema.

E Rui nunca mais foi ao rio porque Rui, há muito tempo,
é um rio correndo inexorável para dentro do mar,
com a desvantagem de ser um rio sem margem.



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